Carf pretende realizar sessões extras para reduzir estoque de R$ 1 trilhão
Por: Guilherme Pimenta e Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Fortemente impactado pela greve nacional dos auditores fiscais da Receita
Federal, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vai montar uma
força-tarefa para diminuir o estoque de processos, que voltou à casa do
trilhão de reais após os julgamentos terem ficado praticamente paralisados nos
primeiros meses do ano.
Em entrevista exclusiva ao Valor, o presidente do órgão, Carlos Higino,
detalhou que, com o fim da greve, o Carf vai acelerar os julgamentos,
priorizando processos de grande valor, para reduzir o montante total até o
fim do ano. Todas as semanas ao menos quatro sessões extraordinárias serão
convocadas.
No ano passado, o conselho conseguiu reduzir o estoque de R$ 1,164 trilhão
para R$ 940 bilhões. Mas agora o volume total voltou para R$ 1,085 trilhão. A
intenção agora, segundo contou o presidente, é encerrar o ano com um estoque
de aproximadamente R$ 840 bilhões.
A Fazenda zerou a expectativa de arrecadação com julgamentos do Carf este
ano, após o fracasso de 2024, quando o órgão gerou somente 0,5% da
arrecadação projetada inicialmente. Ainda assim, para a pasta, o funcionamento
do tribunal é prioritário para a administração tributária.
Pode faltar tempo para casos serem avaliados com a profundidade necessária”
— Guilherme Grava
Durante a greve, foram mantidas apenas as sessões extraordinárias, que julgam
casos de menor valor, especialmente prioridades por lei - idosos e pessoas com
doenças graves. Isso permitiu que o volume de processos no estoque para serem
julgados não crescesse tanto no período, segundo Higino, mantendo-se em
torno de 70 mil.
“Durante o primeiro semestre, com essas sessões extraordinárias e algumas
estratégias, conseguimos que esse número não aumentasse. Não diminuiu, mas
também não aumentou”, pontuou o presidente do órgão recursal da Receita
Federal.
Mas esses, em geral, são casos envolvendo pessoas físicas, com valores menores
em disputa. Os casos maiores ficaram represados, já que não eram pautados em
razão da adesão de conselheiros representantes da Fazenda à greve nacional dos
auditores da Receita Federal, aumentando o valor total do estoque.
“Tem uma grande parte de alto valor que a gente julgou ano passado, os
processos maiores, que sobem para a Câmara Superior. Então, tem uma grande
chance desse processo ir embora de vez já este ano. E a gente acha também
que, com o segundo semestre normal, a gente vai conseguir dar baixa nessa
questão do valor”, disse Higino.
O estoque do Carf atingiu o pico em fevereiro de 2024, com R$ 1,18 trilhão em
estoque, mas a alta taxa na realização de julgamentos durante o último ano
reduziu o estoque para R$ 947 bilhões em agosto, o menor número desde junho
de 2021.
Com a greve na Receita Federal este ano, no entanto, o valor passou a crescer
mês a mês, atingindo um teto de R$ 1,085 trilhão ao final de junho deste ano.
Neste mês, os auditores aceitaram uma proposta de reajuste de 9% do governo,
levando ao fim do movimento paredista.
“O valor é o que cai, entre aspas, mais rápido. Porque a gente julga os processos
maiores e cai. O grande desafio é julgar os processos pequenos, é o volume. A
gente conseguiu que, digamos assim, não piorasse em termos de quantidade”,
afirmou.
Entre advogados, a retomada e a intenção de recuperar o tempo perdido de
julgamentos é bem-vista, mas também preocupa. Segundo Guilherme Saraiva
Grava, tributarista do escritório Diamantino Advogados, a paralisação do Carf
é negativa porque aumenta a fila de processos à espera de julgamento e quanto
mais demorado o desfecho, maior a insegurança jurídica e financeira para as
empresas.
Para o advogado, a volta dos julgamentos por meio de sessões extras é bemvinda
como forma de dar vazão à demanda represada, mas como o Carf é um
órgão bastante especializado, suas decisões são tecnicamente muito
demandantes. “Com o volume de trabalho, pode faltar tempo para que os
conselheiros avaliem os casos com a profundidade necessária, principalmente
nos processos mais complexos ou com um conjunto probatório mais extenso”,
diz.
A paralisação do Carf causa para as empresas efeitos distintos, de acordo com
a expectativa que cada um tem do seu julgamento sobre a discussão com a
Receita, afirma Thiago Taborda Simões, sócio da TSA Advogados. “Algumas
empresas querem que o processo administrativo se prolongue, tendo em vista
seu custo baixo e que ele não impede a certidão negativa, mas para as que
querem resolver rápido é péssimo”. diz o tributarista.
Para Simões, há a preocupação com a qualidade dos julgamentos. “Quando o
julgamento acontece muito rápido, a parte perdedora sai com a sensação que
não teve análise suficiente dos seus argumentos e das suas provas.”